As 7 lágrimas de um preto velho, em prosa
Nos recônditos de um terreiro, à sombra de uma velha árvore, repousava um Preto Velho, sentado sobre um modesto banquinho, contemplando o cenário à sua volta. Entre tragadas de seu cachimbo, lágrimas rolavam por suas rugas envelhecidas, como pequenas pérolas salgadas que a vida lhe concedera.
Eram sete gotas d’água salina que trilhavam o caminho pelo relevo marcado da sua face, cada uma carregando um pedaço da sua alma. Numa busca insaciável por compreender, aproximei-me com respeito e o interroguei sobre a origem dessa dor visível. Ele, com uma voz suave e sábia, começou a desvelar os segredos por trás das sete lágrimas:
“A primeira lágrima, meu filho, é para os indiferentes, aqueles que atravessam estas portas em busca de mera distração. Eles partem, deixando críticas e ironias no ar, incapazes de compreender o que suas mentes obscurecidas não conseguem enxergar.
A segunda lágrima, a esses eternos duvidosos, que acreditam duvidando. Anseiam por milagres, enquanto mantêm dúvidas enraizadas, na espera de que o divino supere o mérito que eles mesmos não conquistaram.
A terceira lágrima é destinada aos maus, aos que buscam a Umbanda como instrumento de vingança, tramando malevolência contra seus irmãos.
A quarta lágrima, fria e calculista, é para aqueles que enxergam a força espiritual como meio de benefício próprio, sem compreender a gratidão ou a caridade.
A quinta lágrima, que se disfarça com sorrisos e elogios, pertence aos que só creem se as entidades atenderem às suas demandas pessoais, uma fé condicional.
A sexta lágrima é para os vazios, que perambulam entre terreiros em busca de aconchego, sem fé genuína, mas com interesses ocultos em seus olhares.
A sétima e última lágrima, observaste, meu filho? Ela desceu pesada e lenta. É para os médiuns negligentes, que só aparecem nos dias de celebração, esquecendo suas obrigações e a caridade que outrora buscaram aqui.
“Suas palavras carregavam a sabedoria de muitas vidas e a tristeza de alguém que havia visto as inconstâncias do coração humano.
Ele ressaltou que essa cena não era exclusiva do terreiro, mas refletia a natureza das religiões em geral. Estas, ele afirmou, apenas apontam o caminho, mas somos nós que moldamos o trajeto com nossas ações diárias.
Assim, naquele cantinho do terreiro, entre lágrimas e cachimbo, o Preto Velho expôs a fragilidade e a grandiosidade da fé humana, como uma mensagem que ecoa em qualquer templo, em qualquer crença, onde a luz espiritual, testemunhando nossos atos, poderia muito bem estar derramando lágrimas de tristeza.